quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Continuação do artigo sobre "O Problema dos Universais" (II)


Conceito

Chama-se universal aquilo que se encontra sempre idêntico em uma multidão de indivíduos, um em muitos “unum in multis”.

“Aquilo que é expresso por um termo geral, isto é, tal que possa ser predicado de diferentes sujeitos.” (Aristóteles)

(Nossas sensações e nossas imagens, diretamente e por si mesmas, nos apresentam o individual; nossas idéias, diretamente e por si mesmas, nos apresentam o universal.)

Sendo individual ou singular aquilo que existe na realidade das coisas, como pode ser verdadeiro o conhecimento que adquirimos pelas nossas idéias, visto que que esta só nos apresentam diretamente o universal?
Este problema sem dúvida não é em si, mas sim para nós homens, o primeiro e o mais grave dos problemas filosóficos. Com efeito, tem por objetivo a própria inteligência e as idéias, isto é, o instrumento de toda nossa ciência; e a atitude adotada a seu respeito pelos vários filósofos domina todas as outras posições.



A questão dos Universais


A discussão filosófica em torno dos universais remonta à Grécia antiga, quando Sócrates teria afirmado a existência real das idéias, ou conceitos, posteriormente denominados “universais”. Esses conceitos, em sua expressão linguística, tanto podem ser os substantivos abstratos (“justiça”, “virtude”,”beleza”, “bondade”, etc.), como os substantivos concretos comuns (“homem”, “árvore”, “pedra”, etc.) Contra os sofistas, Sócrates asseverava que o verdadeiro objeto do conhecimento é aquilo que existe de comum em todos os seres individuais de determinado grupo, e não aquilo que distingue particularmente cada um deles. Noutros termos, as idéias formam a única realidade de fato: não perecível, imutável, captável somente pelo espírito. São elas, e não suas manifestações particulares, o único objeto digno do conhecimento filosófico. Para ele, a existência das idéias antecipa, possibilita a sua própria materialização em casos particulares, perceptíveis pelos sentidos. Por exemplo: as ações bondosas pressupõem a existência da idéia de bondade.
O “idealismo”, tradição filosófica advinda da teoria das idéias que Platão atribui a Sócrates, é representado no período pré-tomista, mais precisamente no século XII, com características singulares à época, pelos “realistas”, “nominalistas” e “conceptualistas”. O principal problema tratado é o dos universais, do valor dos conceitos, das idéias para o conhecimento. Constitui-se em uma retomada do problema da unidade e da multiplicidade.
São três as soluções ofertadas:

Realismo transcedente: os universais são seres concretos de existência real: constituem a mais autêntica realidade. O universal, ou idéia de uma realidade, tem existência fora da mente e do objeto (existe antes das coisas). Esta é a posição platônica, imcorporada pelos primeiros pensadores escolásticos. A forma branda do realismo é o realismo moderado, para o qual o universal tem uma realidade objetiva, fora da mente, mas é imanente nos objetos singulares do qual è essência, forma ou princípio ativo (existe no objeto). Corresponde à posição aristotélica, que será a adotada por Santo Tomás de Aquino.

Nominalismo (realismo absoluto) : o universal não tem existência objetiva, só nominal, ou seja, existe apenas como nome do objeto, como palavra (existe depois da coisa). A realidade é constituída pelos entes individuais, e o universal não é senão uma simples emissão sonora (flatus vocis), meros nomes.

Conceptualismo (realismo moderado) : o universal é o conceito, entidade mental, sem existência objetiva. Esta seria uma posição que se poderia considerar intermediária entre as duas primeiras, não recusava aos universais todo e qualquer tipo de existência; não os enxergava, contudo, como seres concretos, de existência independente da mente que os concebe.





Segundo Sto. Tomás de Aquino, o universal não tem apenas uma existência post rem no nosso intelecto, uma existência in re nas coisas particulares; ele tem uma existência ante rem no espírito divino.

Filosofia de Aristóteles e de Santo Tomás: (Realismo moderado)



Filósofo


Pedro Abelardo



Vida

Pedro Abelardo (1079-1142), filósofo e teólogo francês, nasceu em Le Pallet, próximo a Nantes, na Bretanha. Sua formação intelectual baseou-se no estudo do trivium. Mais tarde, ele estuda sob orientação dos mestres Roscelino, grande representante da escola nominalista, e Guilherme de Champeaux, defensor do realismo dos universais.
Abelardo é considerado um dos fundadores da escolástica medieval, juntamente com Santo Anselmo (1033-1109), que foi arcebispo de Cantuária e ficou conhecido por seu “argumento ontológico”. Levou ainda mais longe o esforço de Santo Anselmo no sentido de explicar racionalmente as verdades da fé, chegando mesmo a ultrapassar os limites aceitos pela ortodoxia ao submeter os dogmas às exigências críticas da dialética, que ele sabia manejar habilmente.

Sofreu a acusação de heresia por várias vezes, devido à liberdade que se permitia no debate de algumas questões. Ora, ao utilizar a dialética, enquanto disputa argumentativa embasada apenas na razão, Abelardo foi repreendido por pretender abranger os mistérios da religião apoiado unicamente na força humana.

Ao aculpar-se com o principal problema filosófico da primeira metade do século XII (o problema dos universais), ele, depois, como professor de lógica, o aprofunda e intensifica.
Célebre por seu amor por Heloísa, pelo qual foi castrado pelo tio de Heloísa, terminou seus dias encerrado em um mosteiro estudando.


Aspectos da posição de Abelardo

A questão dos universais foi precisada pela lógica de Aristóteles, comentada e transmitida à posterioridade por Porfírio e depois Boécio (480-524), chegando a Abelardo através de seus mestres Roscelino e Champeaux.

À questão dos universais, Abelardo dá uma solução que ao mesmo tempo afasta-se do realismo, do nominalismo e do conceptualismo e, ao mesmo tempo, integra seus elementos.
Para ele, os universais constituem palavras significativas, e não meras emissões sonoras. Por si mesmos, os universais existem no intelecto, mas referem-se a seres reais.

Num segundo momento, enquanto nomes, os universais são corpóreos, pois têm a natureza dos sons emitidos pela voz humana; porém, sua função significativa é incorpórea, já que servem para designar umja pluralidade de indivíduos semelhantes.

Também, segundo Abelardo, há universais que existem completamente fora de qualquer possibilidade de percepção sensível (o universal “alma”, por exemplo); e outros que existem no sensível (os referentes às formas dos corpos, enquanto as designam) e fora dele (quando designam as formas dos corpos como que separados do sensível através da abstração).

Abelardo, ainda, levanta uma quarta questão: se não houvesse os indivíduos correspondentes, os universais subsistiriam? A resposta reclama a consideração de dois aspectos:

1. a significação dos universais enquanto nomes imediatamente referidos a indivíduos: os universais cessariam de existir, não havendo indivíduos a serem designados.

2. a significação dos universais enquanto conceitos: os universais continuariam existindo.





Nunca seria de mais insistir sobre a importância do problema do universal. É por terem negligenciado o seu estudo que tantos filósofos e sábios de nossos dias, permanecendo apegado à idéia ingênua de que a ciência deve ser pura e simples cópia, um decalque da realidade individual, vivem a repisar contra a abstração, condição primeira e essencial de toda ciência humana, princípios das ciências, principalmente das ciências matemáticas, teorias tão vãs quanto trabalhosas, e que comportam como único resultado final a destruição radical do conhecimento. (Jacques Maritain)



Obras de consulta

Maritain, Jacques, Introdução Geral à Filosofia, Rio de Janeiro: Agir, 1966

Rocha, Ronaldo (org.), Diamante do Saber

Mondin, Batista, Curso de Filosofia, São Paulo: Ed. Paulinas, 1983, 1º volume

Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1979

Lalande, André, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1999




Aldo César dos Reis Borba Júnior
Per la gloria di Dio e per la Chiesa